sábado, 21 de janeiro de 2012

A tua Boca


Toco a tua boca com um dedo, toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse a sair da minha mão, como se, pela primeira vez, a tua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar.

Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no teu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão no teu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em ti.

Olhas-me, olhas-me de perto, cada vez mais de perto, e então brincamos aos cíclopes, olhámo-nos cada vez mais de perto e os nossos olhos tornam-se maiores, aproximam-se, sobrepõe-se, e os cíclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio.

Então as minhas mãos procuram afogar-se no teu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela.

E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto-te tremer contra mim, como uma lua na água.

Julio Cortázar

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

E por que haverias de querer...



E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

Hilda Hilst

domingo, 15 de janeiro de 2012

Nocturno - Guido Luciani/Guitar

Passion For Luxury

Queridos(as),

aproveitei o dia para experimentar a minha nova prancha de surf. Levo a minha amiga para me fazer companhia!

Beijos e votos de que aproveitem bem o Domingo.

Carinhosamente,
Oana Gomez

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Só os loucos é que se masturbam? Este é o “último tabu sexual” | P3

Só os loucos é que se masturbam? Este é o “último tabu sexual” | P3


No cinema, só se masturbam adultos desenquadrados, jovens imaturos ou loucos (ou loucas). A antropóloga Rita Alcaire defende uma valorização positiva desta prática "natural e universal"

Já chegámos à conclusão que o sexo está a ficar democrático e que a religião não é sinónimo de inibição. O que não sabíamos é que a masturbação pode ser o "último tabu sexual", o único que parece ainda não ter sido derrubado.

A conclusão é da antropóloga Rita Alcaire, que, na sua tese de mestrado em Psiquiatria Cultural, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, estudou as representações da masturbação na televisão e no cinema "mainstream". O estudo, inédito em Portugal, dá conta que o tema, apesar de estar cada vez mais presente na indústria audiovisual, "não é representado de uma maneira positiva".

No cinema "ninguém se masturba porque quer", refere, em entrevista ao P3, a investigadora. As personagens estão quase sempre associadas a estereótipos negativos e assim promovem a condenação de uma prática "natural e universal".

O desenquadrado, o imaturo e a louca

Rita Alcaire detectou três grandes padrões no cinema: "o adulto que se masturba porque tem problemas" e procura prazer para alcançar "um lugar no mundo", comportamento cujo exemplo paradigmático é Lester Burnham em "Beleza Americana"; o jovem, que por "não ter grande experiência sexual", recorre a esta prática (Quem não se lembra do Jim de "American Pie"?) ; e o louco, que pratica uma sexualidade perversa associada a um "pendor criminoso e assasino", como é o caso de Carl Stargher em "A Cela".

É também nesta última categoria que se costumam enquadrar as poucas mulheres que se masturbam. "Pelos vistos, a masturbação feminina é perigosa. Elas nunca estão bem, aparecem associadas à loucura", diz Rita, referindo as "masturbadoras femininas" de filmes como "Jovem Procura Companheira", "Um Olhar Obsessivo" e "Mulholland Drive". "Nas três narrativas, estas mulheres surgem como incapazes de formar relações com outras pessoas de forma profunda" e acabam por querer matar os seus amantes, escreve a investigadora na sua tese.

A masturbação deveria ser "ecléctica"

Dos 13 filmes analisados (ver coluna à esquerda), três são portugueses. A escolha recaiu em "Aquele Querido Mês de Agosto", "O Delfim" e "Call Girl", que apresenta mais uma "mulher manipuladora". Rita reconhece que foi "difícil" encontrar exemplos nacionais.

"Em Portugal, a masturbação está ainda menos representada e de forma menos explícita", concluiu a investigadora, que acredita que o "aumento da produção de telefilmes" generalize e normalize o tema.

"Daqui a uns anos vai mudar", prevê a antropóloga, dando como exemplo as relações homossexuais, cada vez mais presentes e encaradas de uma forma natural na indústria audiovisual. Aliás, o "Cisne Negro", curiosamente o primeiro filme que Rita viu após a entrega da tese, já a retrata de uma forma diferente.

E como será que num mundo ideal, sem tabus ou preconceitos, a masturbação deveria ser apresentada? Como é na realidade, afirma Rita. "Não fazer disso uma bandeira." Encará-la como uma prática "aceitável", "associada a pessoas diferentes", a mulheres e homens comuns. Ecléctica? "Sim. Uma masturbação ecléctica."

Texto: Amanda Ribeiro

Hoje é sexta-feira 13...

tudo pode acontecer!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Objeto de amor


Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

Hilda Hilst - Sonetos que não são - I

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Elogio do pecado



Ela é uma mulher que goza
celestial sublime
isso a torna perigosa
e você não pode nada contra o crime
dela ser uma mulher que goza

você pode persegui-la, ameaçá-la
tachá-la, matá-la se quiser
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.
É inútil. Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos
à ira, ao pior julgamento
repara, ela renasce e brota
nova rosa

Atravessou a história
foi queimada viva, acusada
desceu ao fundo dos infernos
e já não teme nada
retorna inteira, maior, mais larga
absolutamente poderosa.

Bruna Lombardi

Ode



Eu nunca fui dos que a um sexo o outro
No amor ou na amizade preferiram.
Por igual a beleza apeteço
Seja onde for, beleza.

Pousa a ave, olhando apenas a quem pousa
Pondo querer pousar antes do ramo;
Corre o rio onde encontra o seu retiro
E não onde é preciso.

Assim das diferenças me separo
E onde amo, porque o amo ou não amo,
Nem a inocência inata quando se ama
Julgo postergada nisto.

Não no objecto, no modo está o amor
Logo que a ame, a qualquer cousa amo.
meu amor nela não reside, mas
Em meu amor.

Os deuses que nos deram este rumo
Também deram a flor pra que a colhêssemos
com melhor amor talvez colhamos
O que pra usar buscamos.

Fernando Pessoa (Ricardo Reis)

Hay que follarse a las mentes



Filme no IMDB 
download do filme: aqui

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Gravity Of Love (Enigma)

Devoção



Soneto da devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez... — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Época da Pesca e da Caça


Da necessidade de virar ostra


Fechar-me ao todo que cerca, confunde, oprime, sufoca e impulsiona desenfreadamente para o lado errado.

Daí a vontade de ser ostra.

Para nada ver, nada sentir, expulsar, filtrar o que agride e cutuca e lanha a pele fina e inútil da sensibilidade exacerbada, fugir ao embrutecer-se.

Quando se sente demais, dói-se.

Não à ostra, fechadinha, cheia de vida, como que num útero primordial e defensor e ainda com a chance de transformar o que ousar penetrar numa reluzente preciosidade.

Ostra, pensei, essa é opção para tudo o que não quero ouvir, ver, falar, cheirar, gozar, comer, beber, dormir, acordar e inexoravelmente digerir da realidade inevitável.

Num incontrolável expelir o mundo para o lado de fora de uma casca grossa e hostil, razoavelmente inexpugnável e protectora.

Dizem tudo as palavras alinhavadas pelo poeta francês Francis Ponge (1899-1988).

"A Ostra":

"A ostra, do tamanho de um seixo mediano, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo recalcitrantemente fechado. Entretanto, pode-se abri-lo: é preciso então agarrá-la com um pano de prato, usar de uma faca pouco cortante, denteada, fazer várias tentativas. Os dedos curiosos ficam trinchados, as unhas se quebram: é um trabalho grosseiro. Os golpes que lhe são desferidos marcam de círculos brancos seu invólucro, como halos.
No interior encontra-se todo um mundo, de comer e de beber: sob um 'firmamento' (propriamente falando) de madrepérola, os céus de cima se encurvam sobre os céus de baixo, para formar nada mais que um charco, um sachê viscoso e verdejante, que flui e reflui para a vista e o olfacto, com franjas de renda negra nas bordas.
Por vezes mui raro, uma fórmula peroliza em sua goela nácar, e alguém encontra logo com que se adornar".


Luiz Caversan

When We Dance

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

I Love Chocolate!



Aquele outro não via...



Aquele Outro não via minha muita amplidão
Nada LHE bastava. Nem ígneas cantigas.
E agora vã, te pareço soberba, magnífica
E fodes como quem morre a última conquista
E ardes como desejei arder de santidade.
(E há luz na tua carne e tu palpitas.)

Ah, por que me vejo vasta e inflexível
Desejando um desejo vizinhante
De uma Fome irada e obsessiva?

Hilda Hilst

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ponto de vista


Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções
(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem subtilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes.
Leila Míccolis

David Bowie - I Would Be Your Slave