segunda-feira, 23 de julho de 2012
Andava a lua nos céus
Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas
Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronze
Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho
Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Plácidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.
Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.
Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...
Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A inda noite sombria.
Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento
Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.
António Botto
sexta-feira, 29 de junho de 2012
terça-feira, 5 de junho de 2012
Amorosa
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade
terça-feira, 10 de abril de 2012
quinta-feira, 5 de abril de 2012
terça-feira, 3 de abril de 2012
quarta-feira, 7 de março de 2012
quinta-feira, 1 de março de 2012
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
O Corpo
...
O corpo não precisa desencantar-se, não precisa
de fadas, de demiurgos, de paraísos, de infernos.
Se for corpo de mulher, nenhum príncipe é necessário:
só um macho que acredite no sêmen.
como na hóstia de um deus apenas seiva,
e confie o corpo à fêmea como o padre confia o cálice ao altar.
Crê no teu corpo, confia no teu corpo, no corpo do homem,
no corpo da mulher.
Crê no corpo como na única ponte entre os homens;
e que acima do rio variável e enganoso da palavra,
a carne seja como um gesto em perene dádiva.
O corpo é mais antigo e belo do que a Cova de Altamira,
e a gruta do útero pode ser mais funda e clara
do que uma aurora que se abrisse no fundo da terra.
...
Fernando Mendes Vianna
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
sábado, 18 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Teu corpo é agosto
Teu corpo é agosto
Tu cheiras a verão
por baixo das veias
Tu cheiras a quente
Tu cheiras à febre
do sangue maduro
Teu ventre de orgia
teu cheiro a sodoma
aroma-mulher
Teu corpo de agosto
tem cheiro a setembro
Manuela Amaral
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira
Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'
O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.
O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Ranger murmúrios
Felicidade
é abrir-te devagar como uma porta
rangendo murmúrios
para o meu corpo entrar.
E depois, depois voltar a fecha-la atrás de mim
e caminhar em ti em ritmos certos
para que os meus passos se confundam com o
bater do coração.
E depois, depois semear em ti trigo novo
e soltar papoilas nuas da minha boca
para que se misturem com o teu sangue.
E depois,
depois perder-me nesse sonho sem regresso
só com a luz dos teus olhos
a levarem notícias do mundo!...
João Morgado
sábado, 11 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Corpo-a-Corpo
...
Em corpo montarei teu corpo e montarás meu corpo,
e sairemos a galope, o corpo aberto à palavra do vento,
e verás que uma cópula é o mais belo dos corpos de baile, e o
mais equóreo corpo-a-corpo.
Fernando Mendes Vianna
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Liberdade
Segue os ditames do teu corpo.
Ele sabe as tuas necessidades.
Atende quando ele grita "liberdade".
Segue teu corpo; ele sabe do que necessita,
sabe os caminhos da fome, do cio, da sede, do sono.
Sê humilde perante o corpo sábio, pois o corpo
pensa de acordo com as raízes mais profundas,
Pode sentir as raízes que te irmanam à criação.
...
Fernando Mendes Vianna
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Teu corpo seja brasa
teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo
um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo
Alice Ruiz
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Temperatura baja
Esta noche el frío
le pondrá
música a nuestros huesos
hará falta fuego
leña de tus dedos
frotados a los míos
pondré
mi aliento sobre tu aliento
mis manos sobre tus manos
mis silencios sobre tus gritos
mis pálpame sobre tus abrázame
el sueño será capaz
de apagarnos
el rítmico temblor
nos quedaremos dormidos
apretados
sintiendo
saltar el frío
llorando
de calor entre las sábanas.
Tomás Castro
sábado, 28 de janeiro de 2012
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
domingo, 22 de janeiro de 2012
sábado, 21 de janeiro de 2012
A tua Boca
Toco a tua boca com um dedo, toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse a sair da minha mão, como se, pela primeira vez, a tua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar.
Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no teu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão no teu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em ti.
Olhas-me, olhas-me de perto, cada vez mais de perto, e então brincamos aos cíclopes, olhámo-nos cada vez mais de perto e os nossos olhos tornam-se maiores, aproximam-se, sobrepõe-se, e os cíclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio.
Então as minhas mãos procuram afogar-se no teu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela.
E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto-te tremer contra mim, como uma lua na água.
Julio Cortázar
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
E por que haverias de querer...
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Hilda Hilst
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
domingo, 15 de janeiro de 2012
Passion For Luxury
Queridos(as),
aproveitei o dia para experimentar a minha nova prancha de surf. Levo a minha amiga para me fazer companhia!
Beijos e votos de que aproveitem bem o Domingo.
Carinhosamente,
Oana Gomez
aproveitei o dia para experimentar a minha nova prancha de surf. Levo a minha amiga para me fazer companhia!
Beijos e votos de que aproveitem bem o Domingo.
Carinhosamente,
Oana Gomez
sábado, 14 de janeiro de 2012
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Só os loucos é que se masturbam? Este é o “último tabu sexual” | P3
Só os loucos é que se masturbam? Este é o “último tabu sexual” | P3
No cinema, só se masturbam adultos desenquadrados, jovens imaturos ou loucos (ou loucas). A antropóloga Rita Alcaire defende uma valorização positiva desta prática "natural e universal"
Já chegámos à conclusão que o sexo está a ficar democrático e que a religião não é sinónimo de inibição. O que não sabíamos é que a masturbação pode ser o "último tabu sexual", o único que parece ainda não ter sido derrubado.
A conclusão é da antropóloga Rita Alcaire, que, na sua tese de mestrado em Psiquiatria Cultural, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, estudou as representações da masturbação na televisão e no cinema "mainstream". O estudo, inédito em Portugal, dá conta que o tema, apesar de estar cada vez mais presente na indústria audiovisual, "não é representado de uma maneira positiva".
No cinema "ninguém se masturba porque quer", refere, em entrevista ao P3, a investigadora. As personagens estão quase sempre associadas a estereótipos negativos e assim promovem a condenação de uma prática "natural e universal".
O desenquadrado, o imaturo e a louca
Rita Alcaire detectou três grandes padrões no cinema: "o adulto que se masturba porque tem problemas" e procura prazer para alcançar "um lugar no mundo", comportamento cujo exemplo paradigmático é Lester Burnham em "Beleza Americana"; o jovem, que por "não ter grande experiência sexual", recorre a esta prática (Quem não se lembra do Jim de "American Pie"?) ; e o louco, que pratica uma sexualidade perversa associada a um "pendor criminoso e assasino", como é o caso de Carl Stargher em "A Cela".
É também nesta última categoria que se costumam enquadrar as poucas mulheres que se masturbam. "Pelos vistos, a masturbação feminina é perigosa. Elas nunca estão bem, aparecem associadas à loucura", diz Rita, referindo as "masturbadoras femininas" de filmes como "Jovem Procura Companheira", "Um Olhar Obsessivo" e "Mulholland Drive". "Nas três narrativas, estas mulheres surgem como incapazes de formar relações com outras pessoas de forma profunda" e acabam por querer matar os seus amantes, escreve a investigadora na sua tese.
A masturbação deveria ser "ecléctica"
Dos 13 filmes analisados (ver coluna à esquerda), três são portugueses. A escolha recaiu em "Aquele Querido Mês de Agosto", "O Delfim" e "Call Girl", que apresenta mais uma "mulher manipuladora". Rita reconhece que foi "difícil" encontrar exemplos nacionais.
"Em Portugal, a masturbação está ainda menos representada e de forma menos explícita", concluiu a investigadora, que acredita que o "aumento da produção de telefilmes" generalize e normalize o tema.
"Daqui a uns anos vai mudar", prevê a antropóloga, dando como exemplo as relações homossexuais, cada vez mais presentes e encaradas de uma forma natural na indústria audiovisual. Aliás, o "Cisne Negro", curiosamente o primeiro filme que Rita viu após a entrega da tese, já a retrata de uma forma diferente.
E como será que num mundo ideal, sem tabus ou preconceitos, a masturbação deveria ser apresentada? Como é na realidade, afirma Rita. "Não fazer disso uma bandeira." Encará-la como uma prática "aceitável", "associada a pessoas diferentes", a mulheres e homens comuns. Ecléctica? "Sim. Uma masturbação ecléctica."
Texto: Amanda Ribeiro
No cinema, só se masturbam adultos desenquadrados, jovens imaturos ou loucos (ou loucas). A antropóloga Rita Alcaire defende uma valorização positiva desta prática "natural e universal"
Já chegámos à conclusão que o sexo está a ficar democrático e que a religião não é sinónimo de inibição. O que não sabíamos é que a masturbação pode ser o "último tabu sexual", o único que parece ainda não ter sido derrubado.
A conclusão é da antropóloga Rita Alcaire, que, na sua tese de mestrado em Psiquiatria Cultural, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, estudou as representações da masturbação na televisão e no cinema "mainstream". O estudo, inédito em Portugal, dá conta que o tema, apesar de estar cada vez mais presente na indústria audiovisual, "não é representado de uma maneira positiva".
No cinema "ninguém se masturba porque quer", refere, em entrevista ao P3, a investigadora. As personagens estão quase sempre associadas a estereótipos negativos e assim promovem a condenação de uma prática "natural e universal".
O desenquadrado, o imaturo e a louca
Rita Alcaire detectou três grandes padrões no cinema: "o adulto que se masturba porque tem problemas" e procura prazer para alcançar "um lugar no mundo", comportamento cujo exemplo paradigmático é Lester Burnham em "Beleza Americana"; o jovem, que por "não ter grande experiência sexual", recorre a esta prática (Quem não se lembra do Jim de "American Pie"?) ; e o louco, que pratica uma sexualidade perversa associada a um "pendor criminoso e assasino", como é o caso de Carl Stargher em "A Cela".
É também nesta última categoria que se costumam enquadrar as poucas mulheres que se masturbam. "Pelos vistos, a masturbação feminina é perigosa. Elas nunca estão bem, aparecem associadas à loucura", diz Rita, referindo as "masturbadoras femininas" de filmes como "Jovem Procura Companheira", "Um Olhar Obsessivo" e "Mulholland Drive". "Nas três narrativas, estas mulheres surgem como incapazes de formar relações com outras pessoas de forma profunda" e acabam por querer matar os seus amantes, escreve a investigadora na sua tese.
A masturbação deveria ser "ecléctica"
Dos 13 filmes analisados (ver coluna à esquerda), três são portugueses. A escolha recaiu em "Aquele Querido Mês de Agosto", "O Delfim" e "Call Girl", que apresenta mais uma "mulher manipuladora". Rita reconhece que foi "difícil" encontrar exemplos nacionais.
"Em Portugal, a masturbação está ainda menos representada e de forma menos explícita", concluiu a investigadora, que acredita que o "aumento da produção de telefilmes" generalize e normalize o tema.
"Daqui a uns anos vai mudar", prevê a antropóloga, dando como exemplo as relações homossexuais, cada vez mais presentes e encaradas de uma forma natural na indústria audiovisual. Aliás, o "Cisne Negro", curiosamente o primeiro filme que Rita viu após a entrega da tese, já a retrata de uma forma diferente.
E como será que num mundo ideal, sem tabus ou preconceitos, a masturbação deveria ser apresentada? Como é na realidade, afirma Rita. "Não fazer disso uma bandeira." Encará-la como uma prática "aceitável", "associada a pessoas diferentes", a mulheres e homens comuns. Ecléctica? "Sim. Uma masturbação ecléctica."
Texto: Amanda Ribeiro
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Objeto de amor
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
Hilda Hilst - Sonetos que não são - I
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Elogio do pecado
Ela é uma mulher que goza
celestial sublime
isso a torna perigosa
e você não pode nada contra o crime
dela ser uma mulher que goza
você pode persegui-la, ameaçá-la
tachá-la, matá-la se quiser
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.
É inútil. Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos
à ira, ao pior julgamento
repara, ela renasce e brota
nova rosa
Atravessou a história
foi queimada viva, acusada
desceu ao fundo dos infernos
e já não teme nada
retorna inteira, maior, mais larga
absolutamente poderosa.
Bruna Lombardi
Ode
Eu nunca fui dos que a um sexo o outro
No amor ou na amizade preferiram.
Por igual a beleza apeteço
Seja onde for, beleza.
Pousa a ave, olhando apenas a quem pousa
Pondo querer pousar antes do ramo;
Corre o rio onde encontra o seu retiro
E não onde é preciso.
Assim das diferenças me separo
E onde amo, porque o amo ou não amo,
Nem a inocência inata quando se ama
Julgo postergada nisto.
Não no objecto, no modo está o amor
Logo que a ame, a qualquer cousa amo.
meu amor nela não reside, mas
Em meu amor.
Os deuses que nos deram este rumo
Também deram a flor pra que a colhêssemos
com melhor amor talvez colhamos
O que pra usar buscamos.
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
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