sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Da necessidade de virar ostra
Fechar-me ao todo que cerca, confunde, oprime, sufoca e impulsiona desenfreadamente para o lado errado.
Daí a vontade de ser ostra.
Para nada ver, nada sentir, expulsar, filtrar o que agride e cutuca e lanha a pele fina e inútil da sensibilidade exacerbada, fugir ao embrutecer-se.
Quando se sente demais, dói-se.
Não à ostra, fechadinha, cheia de vida, como que num útero primordial e defensor e ainda com a chance de transformar o que ousar penetrar numa reluzente preciosidade.
Ostra, pensei, essa é opção para tudo o que não quero ouvir, ver, falar, cheirar, gozar, comer, beber, dormir, acordar e inexoravelmente digerir da realidade inevitável.
Num incontrolável expelir o mundo para o lado de fora de uma casca grossa e hostil, razoavelmente inexpugnável e protectora.
Dizem tudo as palavras alinhavadas pelo poeta francês Francis Ponge (1899-1988).
"A Ostra":
"A ostra, do tamanho de um seixo mediano, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo recalcitrantemente fechado. Entretanto, pode-se abri-lo: é preciso então agarrá-la com um pano de prato, usar de uma faca pouco cortante, denteada, fazer várias tentativas. Os dedos curiosos ficam trinchados, as unhas se quebram: é um trabalho grosseiro. Os golpes que lhe são desferidos marcam de círculos brancos seu invólucro, como halos.
No interior encontra-se todo um mundo, de comer e de beber: sob um 'firmamento' (propriamente falando) de madrepérola, os céus de cima se encurvam sobre os céus de baixo, para formar nada mais que um charco, um sachê viscoso e verdejante, que flui e reflui para a vista e o olfacto, com franjas de renda negra nas bordas.
Por vezes mui raro, uma fórmula peroliza em sua goela nácar, e alguém encontra logo com que se adornar".
Luiz Caversan
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2 Desejosos(as) comentaram:
Entrar na alma...
Que belo! Obrigado pela beleza proporcionada!
Protege-te e sorve o suco bom desta vida.
Beijos
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